domingo, 27 de julho de 2008

Parte III - Diálogos

[Aviso: Antes de ler Parte III - Diálogos, leia parte II - A Limpeza e Parte I - Prelúdio de Luz]


Estava com o papel em suas mãos ainda. Dele fluía algum tipo de energia leve. Parecia transpirar gotículas de inspiração. Era a fagulha para acender um inferno. Uma única gota escorregou levemente da carta e tocou o polegar de Acácio. As portas foram abertas. Tudo começou de maneira muito forte. Um vento penetrante entrou repentinamente no quarto. A janela se agitou vorazmente. As cortinas começaram a dançar caoticamente sem rumo. Um estrondo seco indicou que a porta fechara-se repentinamente. Um tremor assustador começou a sacudir as estruturas do quarto e as pernas de Acácio não se seguravam mais. Tentou buscar apoio, mas os móveis fugiam de seu toque. O guarda-roupa caiu, várias roupas espalharam-se pelo quarto. Elas subiam e desciam como se tivessem vida. Formaram um redemoinho no centro do quarto. Este redemoinho parecia bailar em torno do próprio eixo caçoando o humano no ambiente. Os cabelos de Acácio agitavam-se, não entendia o que estava ocorrendo, mas mantinha-se na posição, estático, de peito aberto e mãos estendidas para a glória. Era somente um desafio do destino, não tinha que temê-lo. Sua cama levantou-se, começou a plainar diante de seu peito. Pode sentir o odor do relapso fluindo de seus poros. Amaldiçoou-a. Como uma flecha avançou contra seu peito. Com leveza que nem ele poderia imaginar que tinha, saltou e dançou. Pisoteou a fronha e com um movimento de dança a expulsou pela janela, que se repartiu em destroços de uma visão amarga. Caiu de cócoras ao chão e encarou sem temor as agitações do ambiente. O turbilhão de roupas, e agora de destroços, agitou-se e dançou até o âmbito da janela onde se atirou. Com sua queda todo o quarto tremeu e os móveis agitaram vorazmente. De repente uma força fora quebrada e todos eles voaram em direção a janela. O quarto estava vazio. Acácio e o nada agora duelavam por espaço. A janela subitamente se reconstituiu em uma parede sólida, a porta era agora uma parede sólida. Grandes folhas negras surgiram do chão cobrindo cada centímetro quadrado do quarto. Era um cubo negro. Em seu centro plainava a carta. Ela agora possuía um brilho escarlate. Era tudo escuridão, menos o tenebroso brilho vermelho da carta azul.

Um movimento anormal fez o coração de Acácio agitar-se. Não estava só.

- Não há o que temeres! Sou apenas você que quer discutir comigo.

Um homem muito magro, com os ombros caídos e cabelos grisalhos longos e bagunçados aproximou-se do foco de luz vermelha. Sua face era magra, os olhos afundados e lábios secos e dementes. Seu abdômen afundava em suas costelas. Estava nu, com somente uma colar no pescoço. Com face semi coberta pelos cabelos, olhou com piedade. Acácio recuou um centímetro quando se aprofundou nos olhos do homem. Não era um homem qualquer. Era ele. Mais velho, mais magro e de alma escura.

- O que você quer de mim? – Disse Acácio com a voz austera.

- Convencer-lhe que podes mudar e que tudo não passa de uma ilusão. Acalme-se vamos conversar. Não vamos perder tempo com enigmas idiotas, vamos lá fora. Viva intensamente, meu rapaz. Perdi muito tempo de minha vida nessas indagações e não cheguei a lugar nenhum posso salva-lo ainda. Estenda-me a mão. – Uma mão magra, em que o desenho das falanges podia ser levemente acompanhado, se estendeu aberta para Acácio.

Acácio analisou cada poro da mão doente e febril que se estendia para ele. Abriu sua mão. Levou-a em direção a mão magra de seu velho-eu. E com um movimento veloz agarrou-lhe o pulso e o fez ajoelhar de costas para Acácio.

- Afasta-se mim, efêmero. Não me tocas e não se chame de eu -Seus lábios trepidavam de raiva. - Pois a mim tu não mais pertences. Já está enterrado. Parece que se esqueceste de iniciar seu processo de decomposição e assimilação a tua laia. Volta para teu inferno e cante as letras de seus ídolos mortos. Aproveita e manda um recado para eles. O reinado dos tolos esta condenado, e um assassino desperta quando a agulha da realidade o toca. A pior das insanidades fora desperta. Corra e temas. Tema com ardor de quem é caçado, agora és minha caça. Ainda vou brindar com seu sangue o esplendor da verdade.

Com um movimento audaz agarrou-lhe pelo cangote e o arremessou contra parede com a força de dois titãs. Um estalido do crânio de dilacerando. Acácio aproximou-se para ver sua obra. Estava ele de costas, com a coluna desalinhada, com as pernas semi-abertas, e com a cabeça pressionada contra a parede. Uma poça de sangue formava-se próxima a sua cabeça. Ela tendia aumentar. Acácio sentiu algo diferente. Brindava consigo a vitória. Seu corpo absorveu uma nova energia. Tinha superado o primeiro desafio. Vencer o eu antes de abandoná-lo. Agora sim buscaria as respostas mais concretas para armar-se na encruzilhada da Realidade.

Continua...

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