sexta-feira, 25 de julho de 2008

Parte I - Prelúdio da luz

Saíra do bar já tarde. Muito tarde. Ou demasiadamente cedo. Estava tomado pelo vício, não conseguia mais sentir suas pernas com precisão, logo as traçavas em linhas abstratas pelas ruas. Gostava desta sensação, todo momento era um misto de gravidade zero com grandes puxões até o centro da terra. Preferia chamar estes puxões de chamadas do diabo. Pois um homem com vida que ele possui somente o diabo queria puxá-lo para lugar nenhum, seu destino predileto. Caminhou mais um pouco até se apoiar em um poste para urinar. Abriu a baguilha e derramou a urina em cima de um cartaz de festa de rock, sorriu. Era boa a sensação de esparramar seus fluidos sobre ideologias transfiguradas. Ao fechar a baguilha e dar o primeiro passo tropeçou e caiu em cima de sua urina ainda quente. Proferiu algumas palavras de maldição e cuspiu a lama quente de uréia. Sentiu uma presença estranha e um frio repentino. Seu coração se agitou pela dose de adrenalina injetada em suas veias. Virou-se rapidamente buscando algo ou alguém. A rua deserta como sempre. Maldição, pensou, maldita hora para sentir temor.
Caminhou cerca de meio quarteirão até sentir uma ânsia repentina. Devia ser pelo fato de ter engolido um pouco de urina e não ter comido nada aquela noite. Ajoelhou-se e prendeu seus braços contra o ventre. Forçando a saída do que fazia-lhe mal. Uma crise de tosse começou e repentinamente um jato de vômito misturado com sangue pintou toda a calçada a sua frente. Estava enfermo. Não queria mais andar. Sua cabeça pesava. Seus pés não respondiam. A noite o chamava. Ou seria a morte? Um piar atroz o fez despertar do transe que se iniciava. Em primazia fingiu não ouvir. Mas novamente o som se repetiu com mais intensidade e mais próximo. Virou buscando o pássaro responsável. Não viu nada na rua nem nos postes. Mas espere um pouco que ave possui hábitos noturnos? Sentiu medo. Uma sombra formada pela luz do poste a sua frente revelou algo que não esperava. E subitamente um anu-preto se chocou contra seu peito. Gritou desesperado. Rolando no próprio vômito ensangüentado, agora adornado com algumas penas negras. Respirou com dificuldade. Calma, pensou, era somente um delírio que a bebida provocava.
- Mas a bebida não é responsável por vossos pesadelos. – Disse voz súbita e sagaz.
- Por cristo. O que é isto? Eu morri? Está aqui para buscar meu corpo?- Proferiu estas palavras em tom de choro, enquanto se arrastava de quatro para a direção oposta da voz.
O anu-preto voou até suas costas, no seu ombro esquerdo. Onde falou.
- Um pergunta de cada vez. Gado não temas, estou aqui para ajudá-lo. Logo sente e escute. Não sofrerás nenhum tipo de dano físico. Mas quem sabe metafísico.
Tentou desvencilhar-se do animal a suas costas. Queria correr, mas um puxão repentino em sua orelha o fez estatizar sobre a calçada. Não sentia mais sua orelha esquerda e algo quente escorria sobre sua face inchada. Gritou de dor, mas ninguém poderia escutá-lo. Restava esperar. Seu destino estava na mão do animal plumoso e negro.
- Silêncio! Agora me escutas. – Havia sarcasmo em suas palavras. – Por que acha que realmente vou matá-lo? Para mim você, especialmente você, é muito útil vivo e não morto. Venho aqui para ajudá-lo e retirá-lo desta vida pueril. Sentirás o destino em suas mãos. E não temerás os mortais errantes que se acham donos do tempo. Sou simplesmente um atalho para a iluminação. Assim venho a ti para retirar-lhe os parasitas que sugam sua força vital, sem eles poderás despertar e encontrar o mal mais temido pela humanidade. A Realidade. Mas não temas, pois o início começa pelo fim. E seu fim meu querido gado, começa agora.


Continua...

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